Tapera

Um pouco da História

A Comunidade Quilombola da Tapera é um marco da presença afro-brasileira em São Francisco do Sul, Santa Catarina, com uma trajetória de resiliência e busca por seus direitos e reconhecimento.

Reconhecimento Oficial e a Luta Territorial: Um dos momentos mais significativos para a comunidade foi o recebimento de sua certificação oficial como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em 10 de maio de 2019. Este reconhecimento não é apenas um selo burocrático, mas um passo fundamental para a garantia de direitos territoriais e o acesso a políticas públicas específicas que visam a valorização e o desenvolvimento da comunidade.

O processo de regularização fundiária, crucial para a autonomia e segurança da comunidade sobre suas terras, foi iniciado em 2007, sob o número 54210000897/2007-18. Ele está sob a responsabilidade da Superintendência Regional do INCRA em Santa Catarina (SR 10). É importante notar que, até as últimas informações disponíveis, a comunidade ainda aguardava o título definitivo de suas terras, o que evidencia os desafios persistentes na concretização plena de seus direitos fundiários.

Uma Conquista Hídrica e de Dignidade: Em um avanço notável e recente, em junho de 2025, a comunidade celebrou uma conquista vital: o acesso à água potável tratada em suas residências pela primeira vez! Cinco famílias da Rua Sebastião Nabor de Oliveira foram beneficiadas com a instalação de água tratada, uma iniciativa da concessionária Águas de São Francisco do Sul. Esta ação representa muito mais do que uma melhoria na infraestrutura; é um gesto que eleva a dignidade e garante um direito básico à saúde da comunidade. Para quem conhece a realidade de muitas comunidades tradicionais, sabe o impacto transformador que a água encanada e tratada tem na qualidade de vida.

Desafios e o Futuro da Comunidade: Apesar de conquistas como o acesso à água, a Comunidade Quilombola da Tapera ainda enfrenta desafios contínuos. A regularização fundiária é uma prioridade, pois garante a segurança e a posse da terra para as futuras gerações. Além disso, o acesso a outros serviços básicos e a luta por melhorias contínuas nas condições de vida e pela valorização de sua identidade cultural permanecem no centro das ações dos moradores.

Uma das grandes conquistas da comunidade foi a Educação Escolar Quilombola em 2020. Mesmo não estando localizada dentro da própria comunidade, essa unidade utiliza o espaço da Escola Básica Victor Konder. Essa conquista representa um importante avanço, pois permite que a comunidade dê continuidade à sua educação, valorizando e preservando sua ancestralidade. Além disso, conta com professores da própria comunidade inseridos no processo educativo, fortalecendo ainda mais a identidade e o sentimento de pertencimento do povo quilombola.

Em resumo, a Comunidade Quilombola da Tapera é um farol de resistência e busca por dignidade. Sua história e conquistas recentes não apenas destacam a importância do reconhecimento e apoio às comunidades tradicionais no Brasil, mas também inspiram a valorização de suas raízes e a perpetuação de sua cultura rica e vibrante.

Griôs

O termo griô refere-se a indivíduos que são os guardiões da memória coletiva e das tradições orais em suas comunidades. Eles desempenham um papel crucial na preservação e transmissão de conhecimentos, histórias e identidades culturais. Nossa Griô se chama Anete Ivonete do Rosário. Confira nossa conversa:

Bate-papo realizado pelas acadêmicas Jurimar da Silva Suzarte Oliveira, Jucimara da Silva Suzarte, Márcia Cristina do Rosário no dia 04/09/2025.

Dona Anete Ivonete do Rosário nasceu em 11 de abril de 1947, na cidade de São Francisco do Sul, Santa Catarina. Mulher quilombola, forte, sábia e cheia de fé, é uma das grandes lideranças da comunidade remanescente quilombola da Tapera.

Mãe dedicada de 12 filhos, dos quais 5 faleceram e 7 estão vivos: Maria Valentina do Rosário, Maria da Glória do Rosário, Maria da Júlia do Rosário, Maria de Fátima Cabral do Rosário, Rafael do Rosário, Ricardo do Rosário e Roberto Carlos do Rosário. Na Tapera, uma das principais fontes de renda da comunidade é o extrativismo do musgo e da samambaia, atividade tradicional que representa a conexão com a natureza e a continuidade dos saberes ancestrais.

Dona Anete é símbolo de resistência, sabedoria e amor à terra, mantendo viva a história, a memória e a identidade quilombola de seu povo.

Hoje nós estamos aqui pra falar um pouquinho sobre uma receita, né? Que é o pirão com linguiça. Mas por que a gente escolheu o pirão com linguiça, Dona Nete?

Porque aqui na comunidade se consome muito farinha, né? A farinha tem uma história muito importante aqui na comunidade.

A senhora não gostaria de falar um pouquinho pra gente sobre a história da farinha aqui na comunidade?

Eu me chamo Anete Ivanete do Rosário. Nasci aqui na Tapera, me criei aqui na Tapera. Me criei com o mingau da farinha, da água e do açúcar. O meu café é farinha, minha comida é farinha, café da tarde é farinha. E a farinha tem uma grande importância na nossa vida. Se nós souber a importância da farinha, todas as vezes que nós for tomar café ou fazer alguma coisa, a gente tem que deixar uma vasilha na mesa com farinha e a outra com pão. Porque são o pão da vida da gente, que foi dos primeiros da terra. Por isso que eu amo de coração a farinha. Eu como muito pirão: tanto pirão de feijão como pirão de água. No café, eu faço a paçoca no café e como. Por isso que eu amo a minha farinha, em nome de Deus. Amém do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Amém, Dona Anete. Dona Anete, eu lembro que uma vez a senhora contou pra gente que os ancestrais da senhora trabalhavam no engenho de farinha.

Sim, também trabalhei muita coisa.

A senhora também já chegou a trabalhar no engenho, né?

Cheguei, cheguei a trabalhar. Arrancava mandioca na roça. Nós arrancava por dia doze serão de mandioca. Era aquele balaião bem antigo.Botava uma sela no cavalo, tipo de uma canga. O serão ficava um de um lado e outro do outro. O cavalo carregava pros engenhos. Depois a gente tirava tudo. Se fazia uma roda com vinte e poucas pessoas. Cada um pegava a sua faca e nós raspava toda a mandioca. Depois de bem raspada e lavada, botava na cevadeira. Ia empurrando a mandioca, caía tudo no cocho. Depois tirava, botava no tipiti, depois na prensa. Quem já conhece uma prensa ou um parafuso de prensa sabe como é. Depois a gente pegava o que estava seco, moía no cocho, peneirava e depois ia pro forno. Ali botava 12, 14, até 15 cuias de catuto cheias de farinha. Pegava o rodo, batia bem e ia forneando. Ali eu forneava 12, 13 sacos de farinha. Outro forneava mais, cada um tinha sua etapa de farinha. Foi assim que nós se criamos, com a produção da farinha.

E esse engenho, Dona Nete, que a senhora trabalhava, vocês faziam isso para o sustento de vocês. Mas de quem era esse engenho?

O engenho era do Seu Cordeiro, do Seu Zé Vieira, do Chico Vieira, do João Vieira, do João Narciso, do Seu Zeca, do Sireno — que até hoje tem engenho muito grande. E lá na Figueira tinha engenho da família do Seu Cireno também.